CuecaLimpa

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20 agosto, 2010

Filho da Cissa

O atropelamento que levou à morte de Rafael Mascarenhas de 18 anos, filho da atriz Cissa Guimarães, no dia 20 de julho deste ano foi algo horrível; algo trágico. Um rapaz novo, cheio de planos, e com um futuro certamente brilhante, teve sua vida interrompida por uma simples e múltipla quebra de regras. Foi, sem sombra de dúvidas, um acontecimento que chocou o país inteiro, um triste acontecimento.

O fato daquela tragédia ter chocado o país inteiro, por outro lado, está mais ligado ao fato de ser a vítima filho de uma celebridade da Rede Globo do que pela tragédia em si, algo que se traduz das reportagens que cobriram o acontecimento que estressavam os laços de parentescos da vítima com a atriz: “o filho da atriz Cissa Guimarães,” assim como eu iniciei estas linhas. Basicamente a tragédia se tornou na mídia “o caso do filho da Cissa Guimarães,” seguindo a linha das duas grandes manchetes anteriores, como “o caso Bruno do Flamento,” e o “caso da advogada Mércia”--e já consta dos registros da Wikipédia como “Caso Rafael Mascarenhas.” Desta forma, a mídia transforma um triste e trágico acontecimento—que por mais corriqueiro que seja dentro do contexto do Rio de Janeiro—em um drama nacional. Mas nem por isso deixa de ser uma cena triste.

E é este o cenário: um túnel da Zona Sul do Rio que está interditado temporariamente para manuntenção. Nesse túnel, de um lado jovens da Zona Sul do Rio que aproveitam a interdição para andarem com seus skates de madrugada e, de outro lado, outros jovens da Zona Sul praticando “pega,” ou “racha” automobilístico (dirigindo, segundo laudo pericial, à velocidade de aproximadamente 100km por hora).

Dentro deste cenário, outros subtextos, bem como outros personagens surgem: o corredor de pegas, Rafael Bussamra, que se torna assassino mesmo já sendo criminosos antes de matar o filho da atriz e continua em plena liberdade; o pai do assassino, Roberto Bussamra, que se torna cúmplice do crime e também está em plena liberdade; e os PMs corruptos, o cabo Marcelo Bigon e o sargento Marcelo Leal, que tiveram suas penas aplicadas quase que sumariamente por terem aceito, ou pedido propina para liberarem o carro arrebentado que o assassino dirigia durante sua fuga do local do crime. A linha que separa os 4 personagens, além da vítima, é a da classe social, sendo, óbviamente, os soldados de um status social diferente do real assassino—algo que se torna mais evidente por ter acontecido na Zona Sul do Rio e ter o filho de uma celebridade como vítima.

E é por isso que o empenho da justiça tem sido enorme em solucionar o caso, e isso passou a ser a parte mais trágica da tragédia: tal empenho não acontece em casos semelhantes ou até piores, onde, é claro, por ventura, os envolvidos sejam pobres.

Continuando a tragédia. O túnel acústico da Gávea, uma extensão do túnel Zuzu Angel, poderá receber o nome de Rafael Mascarenhas, o "filho da atriz Cissa Guimarães”.  Isso me soou muito estranho (e meio brega) e me levou a pensar sobre que tipo de consequência este batismo de um local público pode levar. O culto e adoração de celebridades e de suas proles refletem a intenção de se reverter o entendimento do que é relevância social? Em que sentido teria Rafael Mascarenhas contribuído socialmente, politicamente, ou culturalmente, ao Rio de Janeiro—enquanto um todo—para merecer tamanho tributo que antes era conferidos a personagens considerados de grande importância?

É de fácil entendimento o porque de um túnel chamado Zuzu Angel sabendo que a estilista foi assassinada pelo regime militar ao qual ela denunciava, nacional e internacionalmente, por torturas e mortes, do qual o seu filho foi vítima. Rafael Mascarenhas, por outro lado, para a maior parte da população do Rio de Janeiro, ainda não era ninguém e nem teve a chance de ter feito alguma coisa que o elevasse mesmo ao status de celebridade ao ponto de receber uma homenagem post-mortum.

Rafael já recebeu uma homenagem dentro do túnel, que foi interditado para que a família e amigos fizessem uma despedida, o que por mais revoltante pode ter parecido a algumas pessoas, isso é até aceitável pelo fato de seus pais serem bem conhecidos, e a mãe, uma funcionária da Rede Globo. Algum filho de pobre poderia fazer isso? Claro que não. Seria um grande absurdo, coisa de “vagabundo,” como poderia dizer o governador Sérgio Cabral. E essas coisas acontecem com o aval do prefeito do Rio e do governador do estado, dois grandes bajuladores de celebridades nacionais e internacionais, e com o mesmo aval governamental, e Global, é bem possível que o túnel receba o nome: “Túnel Filho da Cissa Guimarães”.  Um túnel que é interditado regularmente para se tornar playground dos meninos da Zona Sul.

Até agora, o caso pode ser resumido de tal forma: Rafael mata Rafael e dois Marcelos vão presos.

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