CuecaLimpa

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25 agosto, 2010

Roberto Marinho: Herói ou Bandido? III – O Retorno da Censura

Ontem, terça-feira, 24 de agosto, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu parecer favorável à Rede Globo, e por unanimidade julgou válida a compra realizada em 1964 da TV e Rádio São Paulo pelo valor de por US$ 35 (trinta e cinco dólares) por Roberto Marinho.

Muito embora o processo não estivesse transcorrendo sob segredo de justiça, ele rolou fora de qualquer grande debate nacional. O caso da suposta compra fraudulente esteve fora da mídia, fora dos jornais, fora das rádios, fora de tudo. O julgamento ficou fora do ar.  O julgamento do caso esteve submerso por uma áura de mistério, suspense, e, por decorrência, suspeita. Por isso, o caso da compra, se foi legítima ou não, quase que perde um pouco de sua importância, tornando-se o “sigilo” em torno do caso em uma questão de proporções maiores, criando em mim também um interesse maior, bem como, um pouco de medo.

Para quem não teve acesso aos autos do processo, como eu, restam, no mínimo, uma dúzia de perguntas que decorrem da falta de maiores informações. Dentro deste contexto cheio de falta de informações, a pergunta mais idiota seria: quem venderia, mesmo em 1964, uma estação de rádio e televisão por 35 dólares? Agora, uma outra pergunta mais idiota do que a pergunta mais idiota para quem não está provido de informações o suficiente, seria: por quê tanto segredo em torno deste julgamento? Ou, por quê os noticiários não fizeram deste caso uma matéria? Ou, por quê tão poucos jornalistas (em seus sites e blogs) tiveram interesse em cobrir e passar para a população informações sobre o julgamento? A meu ver, este é o mistério que chama mais a atenção.

O mistério que envolveu o julgamento da Rede Globo é preocupante para qualquer um que viveu, por menor tempo que seja, tanto a revolução militar de 1964 e seu longo período de governmo militar e ditatorial, quanto o momento de redemocratização. Uma das coisas mais perigosas do governo militar, ou de qualquer governo totalitário, foi a censura, que no geral funciona como um corte de informações verdadeiras à população, uma ruptura com a realidade em favor a comerciais de uma realidade montada, uma realidade falsa. Aqueles que comemoraram o fim da ditadura, comemoravam também a possibilidade de uma nova sociedade. Comemoravam o início de uma sociedade sem segredos, uma sociedade transparente e imparcial principalmente aos fatos tão relevantes quanto a esse que foi julgado ontem pelo STJ, sem defender aqui o mérito da questão julgada.

A omissão sobre o julgamento de ontem por parte dos mais importantes órgãos de notícias do país assusta e amedronta a quem passou pelas recentes transformações históricas do Brasil. A omissão do jornalismo da Rede Globo poderia até ser entendida como um caso que não interessa tanto quanto o caso Bruno do Flamengo, do caso Mércia Nakashima, ou o caso do filho da atriz Cissa Guimarães (ao qual a Rede Globo devotou muito do seu tempo em  cobrir passo a passo), pois estes casos realmente rendem pontos no IBOPE a qualquer tipo de jornalismo. Mas, tentar compreender o silêncio do jornalismo da Globo como decorrência de um comprometimento em manter em segredo a possibilidade de que o fundador da mais importante rede de comunicações do país ter cometido um cambalacho, seria um retorno à tentativa de compreensão da realidade praticada durante os anos de ditadura; ou seja, entender o que foi censurado, entender censura. Isso, parece-me, não pode ser uma hipótese, não pode ser verdade, pois seria uma maldade aos telespectadores que assistem o Jornal Nacional em busca de informação. (No entanto, é fato de que a Rede Globo omite fatos aos seus telespectadores, ouvintes e leitores, como o recente caso de estrupro de uma menina de 13 anos em Santa Catarina, envolvendo o filho de Sérgio Sirostsky, diretor da Rede Brasil Sul de Comunicação-RBS, afiliada à Rede Globo, no qual, coincidentalmente, a pena que o rapaz recebeu, pode-se dizer, foi branda.)

A censura, então, poderia alguém concluir, ainda vigora no Brasil. Bem, uma forma de se analisar esta tese seria olhar este tipo de censura não como impossição do governo, mas, ao contrário, esta censura parte dos próprios meios de comunicação. Os motivos e razões desta “auto-censura jornalística” podem ser vários e inúmeros, mas não caberia considerar o caso como “irrelevante” enquanto motivo para a não realização de uma matéria jornalística cobrindo o processo julgado ontem pelo STJ.

Só resta então, na tentativa de se compreender o silêncio da mídia enquanto um fator relacionado ao nome “Roberto Marinho,” onde ele aparecia somente enquanto herói nacional na área de comunicações. Levantar qualquer suspeita sobre sua figura seria inaceitável. Qualquer tentativa de se macular sua imagem, seria imprópria.

Neste caso bem curioso e cheio de mistérios, que foi a compra da Rádio e Televisão São Paulo, em novembro de 1964, e o sigilo do seu julgamento pelo Supremo Tribunal de Justiça em agosto de 2010, tudo parece indicar que a figura Roberto Marinho permanecerá presente no grande Panteon dos Deuses Brasileiros. Com o caso de ontem, sem sombra de dúvidas, Roberto Marinho, torna-se parte da mitologia nacional, onde heróis, bandidos, homens santos, e coronéis benfeitores figuram como estrelas máximas da cultura brasileira.

A diferença é que a Globo não faz a diferença. Roberto Marinho, sim, este faz a diferença, mesmo após sua morte.

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